top of page

O CANTO QUE RÓI

  • Foto do escritor: Desva
    Desva
  • 16 de jul.
  • 1 min de leitura

Enquanto lavo a louça

o canto dos pássaros

rói meus ossos.


É cedo.

Sinto o gosto do pó

e da terra vermelha.


Os grãos estalam

na minha boca —

pensei que engasgaria,

como quando comemos farinha pura,

no seco.


Me plantei

Fiz amizade com o chão.

Vejo as formigas

vivendo sua simplicidade —

me ressuscitam.


Me sinto um pouco nascida,

pequena,

uma folha verde,

mínima e abundante

em vida e calma.


Enquanto o canto dos pássaros

rói meus ossos,

todo o morrer

um convite da vida.


O rasgo,

a pele seca,

a pele fresca,

a carne viva.


A morte —

mão do futuro

do que ainda fica.

E o canto dos pássaros

roendo meus ossos.


Eles criam vazios

para que eu respire.

Um intervalo imaginário

entre o morrer e o prosseguir

incontido da vida.


O vivo

encontrando caminhos

na minha maior dureza —

me deixo ser oca.


Meus ossos,

minha carne,

meus órgãos.


O canto,

os voos,

os pássaros —

o vasto.


Um mergulho

na terra vermelha

no céu das formigas.


Eu viva,

no sempre,

em qualquer corpo.


Eu morta,

nos finais,

acompanhada por qualquer vida.


No leite da planta

brotada no chão rachado na esquina,

no centro.

No canto dos pássaros que

rói meus ossos.

Posts recentes

Ver tudo
A ESPECIALISTA

Queria nascer num rasgo de vento. Às vezes a vida é um claustro. No meu corpo mínimo não cabe toda a vida que tenho. Minha maior parte é...

 
 
 
TRAVESTIDA DE SOL

eu dei uma chance pro Sol e silêncio. cru do meu corpo. na cama,  depois do almoço. o parapeito da janela sustentou meu café. calor e...

 
 
 
CABER SENDO LÍQUIDO

Levei 50 mil choques, com minha boca vendada. Mas isso é uma mentira. Uma mentira porque ninguém viu. Mas isso, isso também é uma verdade...

 
 
 

Comentários


© 2024 DESVA - 51.100.661/0001-20 - Todos Direitos Reservados

bottom of page